domingo, 18 de abril de 2010

Diálogo breve.


— Anthony! Seus livros! — Timbre agudo. Imagem pueril.

Obrigado, Julia. — Sobressalto reprimido. Sorriso esboçado.

— Pra quê tantos? — Dúvida incoerente. Olhos pincelados.

Eu gosto deles. — Resposta vaga. Sinceridade espontânea.

— Por quê? — Descrença nítida. Sobrancelhas franzidas.

Porque eles não falam. — Pés ágeis. Livros seguros.

Pés vítreos.


Faço sempre as mesmas perguntas: como é ser real, normal, tocável? Estou aqui para escutar o que você tem a me dizer, estou ansiosa por suas palavras. (Diga-me!) Talvez eu viesse a gostar de sentir o toque, o calor da ponta dos dedos do amante, o formigar da pele sob a carícia, o aroma dos sentidos e a conhecer a graça das formas dos olhos teus. Mas não posso, uma vez que não me é permitido. Pois não existo, sou apenas uma fusão do fantasioso com o ilusório. Um traço delineado por mãos trabalhadas e esquecidas. (Um par de sapatilhas.) Uma poetisa morta, um pássaro ferido, uma moldura rompida. Um dia de outono e uma tarde de primavera, o luzir de uma lágrima sobre o contorno de lábios róseos.

Jazia no leito um corpo de vergaduras femininas. Cercado pelo fulgor de nuances de silêncio e musicalidade, arfava o colo à sua própria composição. O sono profundo a velar os olhos cerrados, a inspiração decaindo pelo ar graças às notas do piano que outrora soaram quiméricas, pois no térreo alguém parara de tocar. (Lástima.) Os tecidos de muitas cores tornaram-se pálidos, tudo no quarto parecia assemelhar-se àquilo, até mesmo as mãos imóveis sobre o papel – que tristonha coincidência – macilento. Os sonhos vieram e se foram, os timbres muito confusos entre as mudanças de cena e as órbitas saltadas das damas que rodopiavam faziam a sonhadora desejar abrir os olhos e ser resgatada do onírico. (Aversão aos sonhos.) Bastava a vida que respirava.
 

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